quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Estou a lembrar-me

Do primeiro Natal que passei sozinha.
Empolgada com o novo País, o meu País, que iria nascer, regressei a Moçambique em Setembro de 1974, deixando para trás os meus pais e a minha matrícula na Faculdade de Direito de Lisboa.
Na altura eu achava mesmo que o chamamento era só esse. Vêr o meu País com uma roupagem nova, diferente e digna.
Hoje, percebo que foram muito mais coisas que me chamaram: uma forma de viver colorida e descontraida, os tempêros das comidas, o cheiro da terra humida, o Sol acolhedor e fiel, a música sensual, as paisagens agrestes e perigosas, as mamanas com os filhos às costas, as capulanas multicolores, a cidade desenhada a régua e esquadro, as acácias e jacarandás que nos protegiam nos dias mais quentes e emprestavam um cheiro e um colorido inegualável, a Inhaca e a Xefina recortadas no horizonte, as praias da minha baía com as suas águas quentes que todos os dias me acariciavam o corpo, a História por escrever daqueles povos sofridos, os macacos da marginal que vinham comer à mão, as jangadas dos pescadores poisadas suavemente na praia ao final da tarde, as cabecitas das meninas cheias de trancinhas, os machimbombos vermelhos e barulhentos, a diversidade humana de uma cidade que dava guarida a diferentes culturas, as missangas e pulseiras do Xipamanine, a nossa maneira de falar, os chuingas, os zipes, o tátá, o ya, o maningue, as maçarocas assadas na rua...
Voltei e, sem família e com os amigos nas suas terras de origem (Nampula, Beira, Vila Pery, Quelimane) chegou o Natal. A belíssima Ponta do Ouro tomou conta de mim nesses dias de solidão. No mar batido por ondas altíssimas, na pequena baía serena e tranquila, nas rochas pejadas de pequenos lagos e no areal interminável passei os dias da minha viragem. Nesses dias percebi que, apesar de só, estava na minha terra. A terra que me permitiu crescer liberta e saudável, que me forneceu um manancial de vivências tão particulares que só ela as entenderia.
Os anos foram passando. As responsabilidades familiares apareceram. E com elas a minha vinda para Portugal.
Mágoas? Muitas, claro. A vida veste muitas vezes roupagens assustadores.
Arrependimentos? Só um. O de ter vindo.
Nunca o de ter voltado!

1 comentário:

LuzHarmonia disse...

Abensonhada sejas por me teres feito recordar, fechar os olhos, sentir e ver tudo o que descreveste.
Quase consegui sentir o cheiro a terra molhada...
Coisas que já estavam guardadas bem no fundo da minha caixinha de memórias.
Obg MJzinha